18 de outubro de 2009

A ONU EM QUESTÃO

ALBERTO DINES

JORNAL DO COMMERCIO


O presidente Lula é, entre tantos méritos, o grande pauteiro do debate nacional. Cada discurso, escrito ou improvisado – e eles são diários, incessantes – aciona uma salutar controvérsia mesmo quando motivada por impropriedades.Nessa quinta, em Floresta, Sertão pernambucano, para onde se deslocou para inspecionar as obras de transposição das águas do Rio São Francisco, Lula pontificou sobre os organismos internacionais, a propósito da recondução do Brasil (pela décima vez) ao Conselho de Segurança da ONU. Ainda impelido pelo triunfo olímpico em Copenhague, o presidente proclamou que "a ONU está superada" e que o Conselho é "como uma fruta madura", prestes a cair.
Ora, se a ONU está superada o Brasil não deveria fazer tanta força para conquistar uma vaga permanente no seu órgão emblemático. Menosprezar a ONU é contrariar o multilateralismo e as grandes entidades reguladoras internacionais. Quem insistia na tese de que a antecessora da ONU, a Liga das Nações, estava superada, era Adolf Hitler que, assim, sentia-se à vontade para destroçar todas as suas convenções.
O Conselho de Segurança continua ímpar, insubstituível, embora a sua composição esteja datada. Parou no tempo: quando a ONU foi criada em 24 de Outubro de 1945, há 64 anos, o mundo foi partilhado entre os vencedores da Segunda Guerra Mundial: EUA, URSS (hoje Rússia), Reino Unido, França e China que constituíram o núcleo permanente do Conselho de Segurança e habilitados a usar o poder de veto.

A derrubada do generalíssimo Chiang Kai-Shek pelo revolucionário Mao Tse-Tung levou muito tempo para ser assimilada até que o refúgio de Taiwan fosse formalmente substituído pela China continental. Outras imperiosas alterações no quadro institucional jamais foram implementadas, caso da exclusão dos gigantes econômicos Alemanha e Japão, derrotados na guerra e da emergência na Ásia, África e América Latina de novas potências como Índia, África do Sul e Brasil.
Apesar das flagrantes injustiças, o Conselho de Segurança continua como a instância permanente, insuperável, comprometido com a segurança coletiva e a manutenção da paz. Suas recomendações e resoluções são às vezes ostensivamente desconsideradas, mas quando isto acontece fica o registro e este registro pesa diante da possibilidade de sanções econômicas.
A metáfora da fruta madura prestes a cair e apodrecer é de uma rara infelicidade. No momento em que o rodízio dos assentos temporários do CS favorece novamente o Brasil e torna-se evidente a necessidade de uma reengenharia estas bravatas são rigorosamente impertinentes.
Vexame maior no âmbito da ONU foi oferecido pela antiga Comissão de Direitos Humanos, posteriormente transformada em Conselho de Direitos Humanos, e o nosso País jamais estrilou.
Mesmo quando o antigo órgão foi entregue ao Sudão onde ocorria o genocídio de Darfur. A entidade substituta tem entre os seus 47 membros contumazes violadores como Líbia, China, Arábia Saudita, Cuba e Rússia e o presidente Lula não reclama. Entidades internacionais de direitos humanos tem denunciado o controle do novo Conselho de Direitos Humanos por um compacto bloco de nações cujas sensibilidades e compromissos estão a anos-luz da pauta humanitária. Lula não sabe, não viu.
Nosso presidente também erra ao considerar que o maior conflito no Oriente Médio é entre judeus e palestinos. Esta é uma colocação não apenas incorreta como perigosa. O conflito a que ele se referiu é entre israelenses e palestinos e decorre da sábia decisão adotada pela Assembleia-Geral presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha em Novembro de 1947 de partilhar a Palestina em dois Estados e aceita apenas por uma das partes.
O magistrado sul-africano Richard Goldstone é judeu e o seu relatório sobre a Batalha de Gaza no fim de 2008 está provocando uma enorme controvérsia porque condena tanto o Hamas pelo uso intencional de foguetes contra populações civis em Israel como a desproporcional resposta de suas forças armadas.
Estas são frutas que o presidente Lula desconhecia talvez porque não foram cultivadas em seu pomar. Terá que prestar mais atenção a elas quando receber a visita do colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, que vem sendo seriamente advertido por diversas instâncias internacionais a permitir a fiscalização do seu secretíssimo e suspeito programa nuclear.
A ONU ficará efetivamente "superada" quando os países-membros esquecerem as suas responsabilidades no intervalo entre uma Assembleia-Geral e outra.

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