23 de maio de 2009

MINISTÉRIOS DE COMPROMISSOS

MERVAL PEREIRA - O GLOBO
De 1985 aos dias de hoje, desde a implantação da Nova República com a eleição de Tancredo Neves, os dois partidos que mais ocuparam cargos de ministros foram PMDB (66) e PT (52), por razões distintas. O PMDB por estar permanentemente no poder, seja qual for o governo, e o PT por ter quebrado uma regra do nosso "presidencialismo de coalizão", que pressupõe o compartilhamento do poder com os aliados, e ocupar, principalmente devido ao primeiro governo Lula, uma média de 60% das pastas ministeriais.Outra mudança de paradigma do governo Lula deu-se no movimento sindical. Ao longo da Nova República, apenas 11,5% dos ministros tinham algum vínculo com sindicatos de trabalhadores, e apenas 5,8% participaram de centrais de trabalhadores. No governo Lula, 27% de seus ministros eram vinculados a sindicatos de trabalhadores.Em todo o período, a participação de não brancos no Ministério passou de 4,6% para 31,6%. Com as mulheres, os números também são positivos: passamos de 1,9% no governo Sarney para 13,2% no de Lula.Esses dados fazem parte do trabalho "Os ministros da Nova República - Notas para entender a democratização do Poder Executivo", da professora Maria Celina D"Araujo, cientista política do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDoc/FGV), que destrincha o perfil dos ministros e secretários de Estado com status de ministro desde 1985.É uma espécie de continuação da pesquisa sobre o perfil dos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento (DAS 5 e 6) e de Natureza Especial (NES), no governo federal, na administração pública direta, que já revelara a tendência petista de controlar a máquina do Estado: 20% dos cargos mais altos do governo são ocupados por petistas, e 45% dos indicados são ligados à vida sindical.Além da forte presença de sindicalistas no Ministério, o governo Lula se diferencia dos demais da Nova República pela participação de membros de centrais sindicais: chegaram a ser 21% do ministério do primeiro governo. O estudo destaca que, antes dele, apenas Collor havia nomeado um dirigente de central para o Ministério, Rogério Magri, da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), na pasta do Trabalho.A participação de representantes de organizações patronais no Ministério, no entanto, variou no período: os governos de Collor e de FH foram os únicos a ter mais de 20% dos ministros com essa extração associativa.Inversamente, os governos Itamar e Lula foram os que menos representantes desse tipo tiveram. O trabalho, contudo, não assume a inferência de que esses números indicariam um caráter classista dos ministérios de cada governo, "uns mais vinculados ao patronato (Collor e FH) e o de Lula mais identificado com os trabalhadores, o que para muitos seria um indicador de conexão deste governo com políticas e ideologia de esquerda".Maria Celina afirma apenas que "nossos dados apontam para a novidade da presença desse setor no governo, e não nos fornecem indicações para medir desempenho ou impacto ideológico".E faz a ressalva de que, "mesmo prestigiando menos os empresários em postos de mando, os governos Lula não se colocaram em confronto com os empresários. Pelo contrário". Por exemplo, é no governo Lula que se registra uma maior presença de representantes do setor privado, no caso diretores de empresas, um total de 26%, enquanto FH ocupa o segundo lugar, com 17,8%.Os dados da pesquisa apontam, certamente, "para um diferenciador, ou seja, um compromisso político inédito com os setores organizados dos trabalhadores" pelo governo Lula.O estudo da FGV examinou quantos dos ministros haviam tido experiências políticas consideradas ilegais pelos governos militares, "um indicador importante para avaliar o grau de pacificação na política brasileira e sua capacidade de lidar com antigos oponentes perseguidos judicial e militarmente".Os governos Sarney e Lula 1 foram os que mais reuniram esse tipo de militante, ao todo 10 e 18 ministros, respectivamente, e o trabalho considera perfeitamente normal que seja assim: "Com Sarney, chegava ao poder um partido, o PMDB, que sofrera perseguições graves em torno do qual se reuniu a esquerda no momento da transição. O PMDB era, nesse período, o mais expressivo canal da oposição, pois os demais partidos de esquerda, entre eles o PT, ainda eram emergentes".Já com Lula, chega ao poder um grupo político de esquerda que, "a exemplo de toda a sociedade, beneficiou-se do regime democrático e conseguiu reunir e consolidar em torno de si pessoas mais identificadas com ideais socialistas e de outras tantas que no passado tiveram atuação expressiva em organizações clandestinas".A pesquisa mostra ainda que a presença de antigos presos ou perseguidos políticos também é alta entre os DAS/NES, ao todo 64 de um total de 484, pouco mais de 13%. Para os ministros, esse percentual chega a 17%, sendo que a maior parte concentra-se nos governos Lula - 27 de um total de 55.No estudo do resultado da pesquisa, a cientista política Maria Celina D"Araujo chega à conclusão de que "a esfera do Ministério, embora seja, por definição, o espaço da composição política do presidente com os partidos aliados no Congresso para dar sustentação a seu governo, não se reduz a isso".Segundo ela, nessas composições "têm que ser levadas em conta outras variáveis igualmente relacionadas com os compromissos políticos do grupo vencedor". O Ministério tem se convertido, no decorrer do tempo, "em um espaço mais complexo de representação de interesses e de expressão da diversidade social". (Continua amanhã)

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