28 de maio de 2009

SOB CONTROLE

Por Merval Pereira
O Globo - 28/05/2009

O governo já teve muita dor de cabeça com CPIs em que dominava tanto a presidência como a relatoria, como no caso da CPI dos Correios. É verdade que, naquela ocasião, o PMDB não estava tão ligado ao governo quanto hoje, e o relator Osmar Serraglio tinha espaço para ser isento a ponto de seu relatório ter servido de base para que o Ministério Público acusasse o ex-ministro José Dirceu de comandar uma quadrilha que trabalhava à sombra do Palácio do Planalto, acusação esta aceita pelo Supremo Tribunal Federal e em fase de depoimentos.
Já a CPI dos Bingos foi apelidada de CPI do "fim do mundo", porque lá qualquer coisa poderia acontecer. O então ministro Antonio Palocci acabou ferido gravemente em suas audiências, e teve que deixar o governo sob a acusação de ter quebrado o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que o acusara de frequentar uma casa no Lago Sul onde se misturavam lobbies e festas.
No próximo dia 4 de junho, o inferno astral de Palocci pode acabar com sua absolvição pelo Supremo, o que possivelmente lhe abrirá novamente as portas de um futuro político.
Mas nenhum susto desse tipo parece ameaçar o governo com a CPI da Petrobras, que será instalada na próxima semana. A decisão do presidente Lula de não abrir mão dos dois principais cargos da CPI - a presidência e a relatoria - dá pouca margem de manobra para a oposição, que também vai dividida para o embate político.
O DEM não parece tão entusiasmado com a CPI quanto o PSDB, e desde o início da disputa política foi acusado de fazer corpo mole para a sua aprovação.
Não é possível afirmar que o partido, depois de aprovada a CPI pedida pelo senador tucano Álvaro Dias, esteja se comportando de maneira dúbia, mas é evidente que não existe grande entusiasmo dos democratas pelo tema.
Somente a intransigência do governo, se recusando a dar a presidência para a oposição, acendeu o ânimo beligerante do líder do DEM, senador Agripino Maia, que propôs a obstrução do plenário do Senado como retaliação política.
Mas a obstrução é um instrumento da minoria para forçar uma negociação, e não um fim em si mesmo. Tanto que a oposição partiu para uma "obstrução seletiva", pois não tinha condições políticas de se opor à medida provisória que aumenta o salário mínimo.
Ainda existe uma possibilidade remota de o governo vir a abrir mão da presidência da CPI, como defendem alguns de seus importantes líderes, como Aloizio Mercadante ou o provável relator, Romero Jucá.
Mas ninguém está defendendo essa tese com muito entusiasmo, porque o presidente Lula colocou as coisas em termos de defender a Petrobras com todos os instrumentos possíveis. A
composição dos membros da CPI mostra, por si só, a importância que o governo está dando ao assunto. Todos são políticos "orgânicos", isto é, ligados aos interesses partidários mais imediatos e submetidos a uma disciplina que deixa poucas brechas para surpresas.
Três deles são suplentes, o que os liga diretamente aos "donos" das vagas, ou seus grupos políticos: Paulo Duque substitui o governador Sérgio Cabral; João Pedro é suplente do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Os dois não devem criar problemas para o governo. Já Jefferson Praia é suplente do falecido senador Jefferson Péres, e, se cumprir a promessa de seguir os ensinamentos de seu mestre, de quem foi aluno e assessor, pode ser uma figura independente durante os debates. Mas terá que construir sua história política, e não se sabe se tem fôlego para tanto.
O senador Inácio Arruda batalhou para fazer parte da CPI. Além da fidelidade total ao governo, tem uma tarefa específica: defender seu partido, o PCdoB, que domina a agência reguladora do petróleo (ANP), um dos alvos preferenciais da CPI, devido às denúncias de irregularidades na distribuição dos royalties do petróleo.
É muito provável que vejamos, no decorrer desta CPI, diversos recursos da oposição ao Supremo Tribunal Federal, a fim de defender seus pontos de vista fora do rolo compressor do plenário da CPI.
O problema é que os argumentos, na maioria políticos, não servem nos tribunais. Essa diferença entre as instâncias técnica e política é fundamental: no Congresso, as negociações são feitas visando ao interesse e à conveniência políticas, enquanto no Supremo o que norteia as decisões são a legalidade e a constitucionalidade.
Os políticos se queixam da "judicialização" da política, enquanto os ministros do Supremo, em diversas ocasiões, citam a "espetacularização" das investigações das CPIs, devido ao fato de serem transmitidas pela televisão.
O hoje ministro da Defesa, Nelson Jobim, quando discursou se despedindo do Supremo, advertiu que, se os políticos não são capazes de resolver seus conflitos e os perdedores querem continuar a disputa política nos tribunais, têm que saber que estão abrindo mão de seu poder de negociação e se submetendo a critérios que nada têm de políticos.
Na verdade, o Supremo, ao ser instado pelos políticos a se pronunciar sobre quebra de sigilo ou direitos individuais, acaba na prática criando uma jurisprudência sobre como devem funcionar as CPIs.
Por isso, já foi sugerido que o Congresso tomasse a iniciativa de fazer um documento com as principais normas, para que as próximas CPIs possam funcionar mais a contento. Já o ministro Cezar Peluso defendeu que o próprio STF edite uma súmula para "cristalizar" o entendimento dos ministros sobre os procedimentos legais que devem seguir os pedidos de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico de um investigado.

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