21 de maio de 2009

DRAMA NACIONAL

EDITORIAL
O GLOBO
Por causa da crise, o quadro fiscal brasileiro, à primeira vista, não é muito diferente do verificado no mundo. As receitas tributárias caem, puxadas pela perda de ritmo da atividade econômica, e despesas sobem, na tentativa dos governos de se contrapor às pressões recessivas. Parte da retração na coleta de tributos se deve a desonerações de impostos concedidas para que empresas reduzam preços, com a finalidade de atrair consumidores arredios, inseguros, mas sem acumular prejuízos. No caso do Brasil, a perda de receita no mês passado foi a sexta consecutiva. Enquanto isso, no primeiro quadrimestre, os gastos primários do governo - excluindo, portanto, juros da dívida - subiram 15,3% acima da inflação. As semelhanças do Brasil com muitos outros países acabam aqui. A peculiaridade nacional está no perfil desses gastos, nos quais baixíssima prioridade é concedida aos investimentos - ao contrário de tantos países -, apesar do discurso do PAC, e altas cifras de dinheiro público são destinadas às despesas correntes (salários de servidores, previdência, assistencialismo, custeio da máquina burocrática). É neste contexto que vem a notícia de que o Bolsa Família ampliará o contingente de beneficiários entre a população de rua - já em 20,4 mil bolsistas. O Ministério de Desenvolvimento Social pretende colocar sob as asas do assistencialismo, até o final do ano, mais 1,8 milhão de dependentes, entre, além dos sem teto, assentados de reforma agrária, índios e quilombolas - ou os que se declaram como tal. Note-se que o Bolsa Família já atinge direta e indiretamente mais de 50 milhões de pessoas, ao custo de aproximadamente R$11 bilhões anuais. Um em cada três brasileiros, este ano, será agraciado de alguma forma por esta esmola estatal. Talvez não haja, no momento, prova mais cabal de que o governo reforça o Bolsa Família para ser um instrumento poderoso de captura de votos em 2010, mais do que em 2006. E às favas com a crise. Na sessão de terça-feira do XXI Fórum Nacional, Raul Velloso apresentou um trabalho, escrito com Marcos Mendes e Marcelo Caetano, em que está mapeada a rota que o país percorre rumo a um impasse fiscal. Cerca de 85% dos gastos federais se distribuem entre previdência, folha de servidores, assistência social e saúde. Mais grave ainda: 76% da despesa total são em pagamentos a pessoas - benefícios previdenciários, salários e assistencialismo. Cada vez o Estado brasileiro fica, então, mais distante de poder fazer os investimentos que a nação precisa para desatar nós históricos - como na educação e infraestrutura em geral (em saneamento básico, sem falar no transporte, por exemplo). Este é o drama do país na primeira metade do século XXI, já em andamento, e que ficará mais visível à medida que o tempo passe. Superada a inflação e, espera-se, o longo ciclo de juros na estratosfera, o Brasil se aproxima de um período de constrangimento fiscal. Tudo em nome do "social".

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