24 de maio de 2010

SEM MEXER NA PREVIDÊNCIASOCIAL, PAÍS TERÁ CRISE NO FUTURO

O ECONOMISTA, QUE PRESIDIU O BC ENTRE 1999 E 2002, DIZ QUE EDUCAÇÃO DEVE SER PRIORIZADA

Armínio Fraga, entrevista a Folha de S. Paulo, 23/05/10


SAMANTHA LIMA
DO RIO

Presidente do Banco Central entre 1999 e 2002, sócio da Gávea Investimentos, o economista Armínio Fraga, 52, afirma que, se o próximo governo não enfrentar uma reforma na Previdência, permitirá criar a base para uma nova crise no futuro. Fraga defende a imposição de limite ao endividamento do governo e diz que o Brasil, hoje, é obrigado a desacelerar o crescimento porque, além de investir pouco, deixou de cuidar da educação. Leia os principais trechos da entrevista.

Folha - O Brasil levou 40 anos para voltar a crescer ao ritmo do Milagre Econômico [de 1968 a 1973]. Agora, temos que desacelerar para não gerar inflação. O que faltou?

Armínio Fraga - Investir mais e educar melhor. Não há país bem-sucedido que não tenha feito esforço importante na educação ou que tenha se desenvolvido só com recursos naturais.

Está claro onde temos que trabalhar para que a economia sustente um ritmo maior de expansão, principalmente em infraestrutura.

Há investimentos estrangeiros previstos no Brasil em energia, mineração, recursos naturais. A tendência é duradoura ou apenas moda?

Os estrangeiros estão entusiasmados porque temos passado pelas crises melhor do que o nosso histórico. Tem oportunidade na China, na Índia, no Leste Europeu. Mas somos o mais ocidental dos emergentes, é mais fácil. Às vezes o entusiasmo é excessivo. Não sou pessimista, mas não podemos relaxar. Caminhamos para um deficit em conta-corrente maior, os juros são altos.

Quando fala de juros, o sr. vê como resultado da estrutura de dívida e gasto público, e não da atuação do BC, não é?

Exatamente, o juro que o BC controla sobe por questões estruturais. No longo prazo, o trabalho do BC tem ajudado a reduzir a taxa porque reduz a incerteza sobre o país. Temos uma história ruim, pressões fiscais. Isso vai exigir um esforço de natureza estrutural.

Os dois candidatos à presidência mais bem colocados nas pesquisas criticam ou já criticaram a política monetária. O que podemos esperar?

Não vejo nenhum político conectado com a realidade disposto a se arriscar deixando a inflação subir. As pessoas sabem que inflação corrói o dinheiro, e os pobres perdem mais.

O sr. vê ameaça à atuação do BC no futuro?

Fala-se em aventura nessa área, em função de declarações dos candidatos. Mas se referem a circunstâncias extremas, e não ao dia a dia do BC. O BC não tem independência formal, mas temos autonomia operacional. Eu aposto que isso continuará.

Que pergunta o sr. faria ao futuro presidente?

É uma pergunta antipática, que cabe a todas as lideranças do mundo: “Qual é sua visão de um futuro fiscal tranquilo para o país?”.

Qual é o problema mais urgente a ser resolvido, na área macroeconômica?

O crescimento do gasto público.

E qual reforma institucional relativa à área econômica deve ser tocada no início do próximo governo?

Reforçar a Lei de Responsabilidade Fiscal, impondo limite à dívida pública federal, e incorporar a discussão da previdência.

No caso da previdência, o sr. acha que algo mudou?

Não, com tendência de piorar, se o fim do fator previdenciário não for vetado. É um tema difícil para um político, e não só no Brasil. O presidente Fernando Henrique avançou, mas pouco porque a oposição fez críticas agressivas. O envelhecimento da população dos principais países é uma questão gravíssima e não vem sendo discutida de forma razoável.

A previdência pode gerar crises no futuro?

Pode, sim. Lá fora já se vê reação. Os governos da Alemanha e da França já discutem isso. A Europa levou uma sacudida de confiança nunca imaginada, mas vai reagir positivamente.

A crise da zona do euro pode ser debelada antes que extrapole para outras regiões?

Há riscos para nossa economia porque a Europa é o maior mercado de nossas exportações. Temos deficit em conta-corrente, e isso pode dificultar o financiamento.

Com gastos do governo em alta, o BC está sobrecarregado no controle da inflação?

O acompanhamento do BC é um trabalho minucioso. Chegou a hora de dar uma segurada, e por isso subiram os juros para 9,5%. O anúncio do corte de gastos pelo governo é positivo porque alivia a inflação.


SAIBA MAIS
Fraga administra R$ 10 bilhões em investimentos

DO RIO

Criada por Armínio Fraga em 2003, quando deixou o comando do Banco Central, a gestora de recursos Gávea Investimentos tem sido alvo de recentes rumores envolvendo uma possível venda de seu controle.

O comprador seria a gestora de recursos norte-americana Highbridge. Questionado, Fraga diz que não pode comentar o assunto.

A Gávea tem R$ 10 bilhões sob sua administração, em fundos de investimentos e de participações em empresas, como a cadeia brasileira do McDonald’s, a Aliansce (participações em shoppings) e a Azul Linhas Aéreas.

Na avaliação de Fraga, os setores mais promissores para investimentos no Brasil são o de petróleo, o agronegócio e o de infraestrutura. “Aqueles ligados ao consumo também têm boas oportunidades. Difícil imaginar uma área desinteressante”, afirma.

Apesar do histórico de sucesso, a Gávea traz pelo menos um mau investimento no currículo: a BRA, empresa aérea em recuperação judicial desde 2007.

Fraga afirma que não pensa em deixar a Gávea e que não foi sondado para integrar equipe econômica no próximo governo. Mas que, no futuro, gostaria de voltar. “Se acharem que posso.”

(SL)

Nenhum comentário: