27 de maio de 2010

GOVERNO LULA OPTOU PELA "VIA MAFIOSA", DIZ VELLOZO LUCAS

Autor(es): Maria Inês Nassif, de São Paulo

Valor Econômico - 27/05/2010

Candidato ao governo do Espírito Santo pelo PSDB e um dos coordenadores do programa de governo do candidato tucano à Presidência, José Serra, o deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES) refere-se ao campo adversário ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "nós"; ao próprio Lula e ao PT, como "eles". E faz questão de deixar claro que quando fala por "nós", está falando não em nome da campanha de Serra, mas como deputado e presidente do Instituto Teotônio Vilela, do PSDB.

Em entrevista ao Valor, não poupou expressões fortes contra "eles", em especial quando se referiu à origem socialista do partido de Lula. Afirmou que o PT discutiu as opções via armada ou democrática, mas ficou com a "via mafiosa". Quando discutiu o modelo federalista do PT, equiparou os conceitos de organização em conferências aos sovietes da ex-União Soviética.

Vellozo Lucas é de uma geração de técnicos que, nos anos 90, reivindicava um perfil gerencial para o Estado. Ingressou na política depois de uma experiência na burocracia estatal. Foi diretor do Departamento de Indústria e Comércio do Ministério da Economia no governo Collor, e secretário nacional de Acompanhamento Econômico no governo FHC. Governou Vitória entre 1997 e 2004.

Apontou como a mais grave falha do atual governo não ter procurado uma aliança com o PSDB, em 2003, mas cedido aos "setores mais fisiológicos" da vida política. Não arriscou um palpite, todavia, se o PSDB teria apoiado Lula. "É muito difícil falar sobe hipóteses em política." Para ele, quem radicalizou foi o PT, quando bateu na tecla de que havia recebido uma "herança maldita" de FHC.

Valor: Existe uma estratégia do PSDB de diferenciação das diretrizes econômicas e monetárias?

Luiz Paulo Vellozo Lucas: Existe. O governo Lula tem coisas boas e coisas novas, as boas não são novas e as novas não são boas. A melhor coisa que o Lula poderia ter feito quando ganhou a eleição de 2002, fez: botar no governo o (Antonio) Pallocci e o (Henrique) Meirelles, elevar a taxa de juros e fazer uma política ultra-ortodoxa até que o Risco Brasil caísse, os mercados ficassem tranquilos e cedesse o ataque especulativo. Fizeram o que tinham que fazer. E aí, a economia mundial cresceu, as condições gerais da economia brasileira foram melhorando e a arrecadação foi crescendo. Mas eles ensaiaram a reforma administrativa e previdenciária e não fizeram. O mais grave foi terem feito uma estratégia de governabilidade baseado na cooptação dos setores mais fisiológicos e inventado um inimigo eleitoral inexistente. Foi invenção deles o que chamaram de "herança maldita" e "projeto neoliberal" do PSDB. Naquele início de governo, o certo seria ter chamado todos os partidos para ajudar e cooperar, e não ter eleito o PSDB como inimigo principal e feito um projeto de cooptação dos mais clientelistas.

Valor: O PSDB participaria de um governo do PT?

Vellozo Lucas: É muito difícil falar sobre hipóteses em política.

Valor: A radicalização eleitoral não envolvia todos os partidos?

Vellozo Lucas: A radicalização foi deles, essa coisa de falar da herança maldita foi do José Dirceu, que era um primeiro-ministro. E eles faziam um processo de cooptação violento. Ficou todo mundo estarrecido. Nós perguntávamos: apoiamos ou não? Mas como apoiar esse tipo de discurso que tinha por base uma "herança maldita"? O que tinha de maldito no mercado eram eles, o país estava pagando o preço do Risco Lula.

Valor: E quais os aspectos positivos do governo Lula?

Vellozo Lucas: Foi não ter colocado o terceiro mandato, mas está queimando isso num processo violento de fazer uma candidata transgênica, inventada, uma transfusão de laboratório do DNA do prestígio dele. No mais, Lula aprofundou as características subalternas do federalismo brasileiro: tudo o que acontece de bom, o protagonismo é dele. Isso esvazia os Estados e municípios.

Valor: Vocês acham que as transferências tinham que ser menores do que são hoje?

Vellozo Lucas: Os mecanismos voluntários são muito ruins. Veja o exemplo do PAC. Você tem um pacote de obras municipais licitadas em Brasília para pavimentação de ruas, de R$ 2 bilhões, no Estado de São Paulo. Grandes empreiteiros repassam para segundos, que repassam para terceiros, sem topografia, sem projeto. Nem por acaso o orçamento original pode ser cumprido.

Valor: O senhor acha que há centralização?

Vellozo Lucas: Falta modelo e estratégia, o poder é centralizado demais. Se o Serra virar presidente e eu, governador, vou amanhecer na porta dele, e dizer: acaba com esse negócio, deixa a gente fazer. Não tem lógica fazer uma licitação em Brasília para uma estrada que liga o noroeste do Espírito Santo ao leste de Minas.

Valor: O governo Lula não colheu bons resultados?

Vellozo Lucas: A maior crítica à política econômica do governo do PT é a de que, apesar de eles terem levado à estabilidade, não tinham um plano de desenvolvimento. Os resultados ocorreram porque eles deram continuidade ao governo anterior. Quando quiseram fazer coisa diferente, fizeram bobagens que não deram certo, como a mudança de regulamentação do pré-sal, o maior erro de política industrial do Brasil desde a reserva de mercado da informática.

Valor: Por que?

Vellozo Lucas: Essa questão de Estado e mercado o Brasil tinha resolvido há 20 anos, 25 anos. Do ponto de vista conceitual, não é mais um divisor de águas. Eles requentaram essa polêmica de uma maneira ruim, alterando talvez a mais bem-sucedida estratégia de competitividade setorial do Brasil, que foi a lei 9.478, de 1997, e a captação da Petrobras por setores privados, capitalização via FGTS e internacionalização da operação da empresa. A Petrobras passou a operar em um ambiente de mercado regulado, o que fez muito bem ao Brasil e à empresa. Foi o que possibilitou as novas descobertas de petróleo e gás, inclusive o pré-sal, e os novos níveis de produção de petróleo e gás. As receitas de petróleo e gás, sozinhas, representam mais de 40% da Formação Bruta de Capital Fixo, o correspondente a 12% do PIB; antes era 2% do PIB. Eles insistem em dizer que foi coincidência. Uma das maiores mentiras, dita pelo presidente da Petrobras (José Gabrielli), é negar o sucesso da estratégia de 1997.

Valor: O que mais é novo e não é bom?

Vellozo Lucas: A mudança de gestão da Embrapa, por exemplo. A satanização do agronegócio e a beatificação da agricultura familiar.

Valor: O senhor acha que o agronegócio não foi beneficiado por Lula?

Vellozo Lucas: Na Embrapa não foi. Na economia em seu conjunto também não, por causa do câmbio. Nós vamos encontrar diferenças de poder, de divisão. Todos os partidos de esquerda, nos últimos 25 anos, fizeram a revisão de seus conceitos centrais aceitando a democracia como universal, a economia de mercado e o estado de direito como pilares centrais daquilo que a gente chamava antigamente de democracia burguesa. O PT, não. Ele tem uma relação envergonhada com a democracia. Aceitar essas questões não é tomá-las como perfeitas, mas ter inquietude e visão de reformismo permanente na economia, no Estado, na Justiça, nos mecanismos de soluções de controvérsia. Mas eles fizeram um governo antirreformista. O governo do PT foi de megacorporativismo. O que moveu o país para frente foi o impulso de mercado.

Valor: Essa crítica refere-se ao ativismo governamental?

Vellozo Lucas: Isso não tem nada a ver. Ativismo governamental é fazer do governo um agente ativo, que impulsiona reformas importantes. Isso nós não vimos no governo do PT. O interesse nacional ficou órfão. Ele (o governo) não acha que é problema dele representar o interesse do país em seu conjunto. Lula é sempre o juiz magnânimo das confusões que ele mesmo provoca.

Valor: O senhor concorda com os cortes orçamentários feitos pelo governo?

Vellozo Lucas: O contingenciamento na boca do caixa feito agora, às pressas, não resolve a crise fiscal. O governo tem mais do que um orçamento de restos a pagar de outros anos. É a maior ilegalidade da face da terra. É o governo da intermediação política. O bom prefeito e o bom governador são amigos do presidente. Empresário tem que puxar o saco senão não consegue as coisas. Estão trocando subserviência por favores de Estado, relações de privilégio. Antigamente, quando a gente acreditava na revolução socialista, se discutia quais são eram as vias para o socialismo, a via armada ou a via democrática. O PT tentou a via mafiosa.

Valor: Pensa-se em um novo modelo federativo?

Vellozo Lucas: Existem várias ideias que são preliminares, não posso dizer que são do PSDB. O Orçamento de Investimentos, por exemplo, seria uma das inovações. Hoje existe o orçamento do município, do Estado e da União e eles não se conversam. A possibilidade de eles serem incoerentes é enorme.

Valor: E como articulá-los?

Vellozo Lucas: Eu tenho uma ideia que o Serra não gosta. O Orçamento deveria ser feito por microrregião. Os deputados fazem lobby para arranjar dinheiro para suas regiões, os estaduais e os federais, e poderiam fazer de forma organizada. Se tivesse voto distrital e os deputados federais e estaduais fossem da região, e eles tivessem direito de manejar dotações orçamentárias para suas regiões, bastaria ter mecanismo de articulação com os investimentos locais. Uma peça orçamentária de integração dos investimentos municipais e federal. Isso é um pouco do que acontece na União Europeia. Teria um orçamento de transferência não autorizativo, mas com força de um contrato de gestão. O grupo de municípios poderia captar, por meio desses orçamentos de transferência, recursos de organismos internacionais, orçamentários ou fazer emissão de títulos.

Valor: O consórcio do ABC têm esse conceito, que foi muito trabalhado pelo ex-prefeito de Santo André Celso Daniel.

Vellozo Lucas: Nós fomos prefeitos juntos, em 2002, e discutimos muito isso. O PT gostava dessa ideia, mas depois que chegou ao poder, recuou. O PT, nessa época, nas prefeituras tinha, deu várias contribuições importantes nesta questão.

Valor: E o orçamento participativo, não é um caminho?

Vellozo Lucas: O planejamento estratégico e participativo é mais avançado que o orçamento participativo. O ideal seria não ficar discutindo a alocação do recurso do orçamento corrente, mas os PPAs (planos plurianuais), que são o plano estratégico. Se der para envolver a comunidade nesse tipo de definição, então é no modelo da Agenda 21 local, que é um instrumento muito mais avançado do que orçamento participativo. O orçamento participativo da gestão do PT virou muitas vezes a lista de desejos que gerações futuras terão que pagar. E também eles manipulavam violentamente os plenários.

Valor: Não são mecanismos democráticos de decisão?

Vellozo Lucas: Esses conceitos do PT de conselho e de elaboração por conferências - Conferência Nacional das Cidades, de de Comunicação - têm concepção soviética. Soviete significa conselho. Isso é o revisionismo envergonhado do PT, que não aceita as organizações políticas da democracia e fica criando coisas paralelas, supostamente mais democráticas que as câmaras de vereadores, assembleias e tal. Nós não temos vergonha das limitações das instituições da democracia, economia de mercado e competição política. Eles têm uma visão de manipulação dessas instâncias. Não acreditam em mercado saudável, em disputa justa, nem na política, nem na economia e nem no Judiciário. Essa é uma visão pessoal minha.

Valor: Numa campanha em que se tenta não entrar em choque com um presidente muito popular, não é fundamental um programa de governo mais claro?

Vellozo Lucas: Eleição majoritária é que nem paredão do Big Brother, todo mundo vai ter opinião. Vai ser quem ama e quem odeia o dourado, pelas razões mais variadas do mundo. Todos os assuntos virão a tona. E o nosso candidato, sem dúvida não é só o mais preparado, como é o mais inteligente para lidar com questões de improviso.

Valor: Qual o tamanho de um Estado num governo Serra? Maior que num governo FHC?

Vellozo Lucas: São mundos diferentes.

Valor: O Estado tucano seria mais ativo?

Vellozo Lucas: É uma situação nova. No governo FHC, nós estávamos construindo, num momento que nasce no governo Itamar, um Estado caído de podre.

Valor: Se o PSDB ganhar as eleições, o Estado vai ser mais ativo?

Vellozo Lucas: O ativismo governamental é um conceito diferente, é a antítese da inércia corporativista. A inércia corporativista é deixar tudo como está para ver como é que fica. Ativismo é saber o que fazer e segundo, como fazer.

Valor: Por exemplo?

Vellozo Lucas: A carga tributária indireta sobre produtos e serviços hoje é o maior problema, que reduz a capacidade de consumo dos mais pobres. A redução de impostos é a medida econômica que mais beneficiaria os mais pobres pela capacidade de gerar empregos formais. Há um interesse da sociedade e seu conjunto com a redução tributária, como teve o interesse da sociedade e seu conjunto em acabar com a inflação. É preciso reduzir os impostos indiretos que estão engordando os custos dos produtos e serviços e tirando a competitividade da economia.

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