5 de maio de 2010

O ROTEIRO

Jânio de Freitas

Folha de S. Paulo - 05/05/2010


Quando parlamentares testados como Pedro Simon decidem deixar o Congresso, é que o lodo está demais

AINDA A DOIS meses do início da campanha eleitoral -isto é, da campanha permitida pela legislação- os absurdos do sistema eleitoral é que fazem o que se mostra relevante, de fato, no noticiário voltado para as eleições, e mesmo para a política em geral.São as transgressões à lei por "pré"-candidatos e seus coadjuvantes. São as ações judiciais com que um partido pretende constranger o desembaraço transgressor de outro, e logo se depara com a reciprocidade. São as alianças entre os que se disseram e fizeram as piores coisas por tanto tempo e até tão pouco, e de repente unem suas ambições eleitorais em concubinatos de despudores. São os cofres de empreiteiras e de bancos a induzir financeiramente a elevação dos que nos vão governar, neste país de 200 milhões.
Novidade? Não, ou só a demográfica, da população elástica que agiganta mais o eleitorado a cada eleição, sem lhe dar condições de chegar a algo melhor ou, se mais não pode, ao menos equivalente ao anterior. Os absurdos seguem as eleições por indiferença generalizada ante sua existência? Um sinal de que não é assim está na relevância que voltam a ter, mais uma vez, como tema, como indignação, como razão para a apatia política e o descaso eleitoral.De eleição em eleição, os quadros políticos vêm piorando, em todos os sentidos. Quando um parlamentar testado e provado de todas as maneiras, como o grandioso Pedro Simon, e uma das melhores revelações de parlamentar, talvez o mais promissor dos últimos mandatos, como José Eduardo Cardoso, decidem deixar o Congresso porque "não adianta continuar", é que o lodo está extenso demais e profundo demais. Não são os únicos.
Como fazer o país desviar do roteiro que essa realidade política traz pronto -eis o mistério brasileiro.
Supremas
Do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, em seu voto de recusa a processo contra autores de tortura, mortes, estupros e desaparecimento de presos na ditadura: "Uma sociedade que quer lutar contra seus inimigos com as mesmas armas está condenada ao fracasso".
Se a bandidagem armada ouviu ou leu a frase, está em festa. Aos outros, fica a perplexidade de que constatar, por intermédio do próprio STF, que lutar com outras armas -e nada menos que as da Justiça- também condena ao fracasso.Do ministro Eros Grau, relator proponente da impunidade consagrada pelo STF, em uma das versões da ideia também adotada pelos seis ministros que acompanharam seu voto: "É necessário não esquecermos [as violências da ditadura] para que nunca mais as coisas voltem a ser como no passado".
Deve ser o maior lugar-comum da história. Ao fim de cada guerra, de cada erro desastroso, de cada imprevidência, lá vem ela, citada aos milhares, aos milhões. Maior do que a quantidade, só a inutilidade: logo acompanhará, com ares sábios e pungentes, outra guerra, outro erro, outra imprevidência.

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