Autor(es): Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 06/05/2010
Lula batalha de faca nos dentes contra a estabilização política em Honduras porque o processo ali caminha desfavoravelmente para um aliado, Zelaya. Sujeito a quem certa hora sobrou esperteza e faltou força
À luz dos movimentos recentes da política externa brasileira, faz sentido o Itamaraty tentar isolar Honduras no cenário internacional. Pois cada novo avanço no reconhecimento da recém-instalada administração hondurenha representa uma derrota para Luiz Inácio Lula da Silva e o governo dele. O Brasil não gosta de derrotas, nem de perder influência.
Os Estados Unidos tampouco, e por isso o bloqueio a Cuba continua de pé. Não estou aqui discutindo as diferenças entre Honduras e Cuba, ou as semelhanças. Discuto a atitude diante da soberania alheia. O Brasil aceita bem que os cubanos exerçam a deles livremente, e pressiona os Estados Unidos a admitirem o status quo em Havana. Já os Estados Unidos aceitam bem a soberania hondurenha, e pressionam o Brasil a reconhecer os fatos da vida em Tegucigalpa.
O Brasil afirma a necessidade imperiosa de implementar a reconciliação nacional em Honduras, a começar pela volta incondicional de Manuel Zelaya ao país, livre das acusações e na plena posse dos direitos políticos. Bonito. Mas por que então Lula não pede o mesmo no Irã, aquele país com gente ameaçada de forca por discordar do governo? Ou em Cuba, onde fazer oposição não é exatamente um passeio?
Se Lula alcançasse na política interna do Irã e de Cuba os objetivos pacificadores e conciliatórios pelos quais batalha em Honduras, seria pule de 10 para o Prêmio Nobel da Paz.
Olhar o jogo internacional à luz dos princípios é exercício penoso para quem analisa, e constrangedor para o analisado. As nações movem-se unicamente pelos interesses — especialmente materiais — de seus governos, restando aos argumentos repousar na gôndola ideológica, à espera do dia em que serão úteis.
— Ô fulano, estou precisando de umas teses sobre o caráter essencial da soberania dos países nas relações com os demais. Tem aí?
— Calma, ainda não acabei a pesquisa que você me pediu ontem. Sobre direitos humanos. Aquilo de a legislação internacional prevalecer sobre as leis nacionais. Lembra?
— Esquece. Não preciso mais desta. Vamos nos concentrar agora no tema da soberania. E o ministro pediu urgência.
Lamento pelos de estômago fraco, mas é assim que funciona. Aqui, nos Estados Unidos, na Rússia etc. Restam então dois caminhos. Um é emitir periodicamente apelos pela “coerência”. Outro é tentar desenhar as relações de força para ver no que dá.
Lula batalha de faca nos dentes contra a estabilização política em Honduras porque o processo ali caminha desfavoravelmente a um aliado, Zelaya. Sujeito a quem certa hora sobrou esperteza e faltou força. E que acreditou na possibilidade de Hugo Chávez ter algo além de discursos para oferecer a quem se dispusesse a enfrentar os Estados Unidos na região.
E nosso presidente luta de bazuca na mão contra a desestabilização política de Cuba ou do Irã porque são lugares onde aliados dele estão no poder.
E os diplomatas? No papel de sempre: ir até a gôndola e colocar no carrinho, ou cestinha, o argumento capaz de preencher a necessidade do momento. E só.
O relógio corre
Ainda sobre o Irã, há sinais de que Mahmoud Ahmadinejad está mesmo disposto a tirar da manga a carta brasileira para aliviar a pressão.
Há duas hipóteses. Numa, Ahmadinejad anda em busca de comprar tempo. Noutra, corre atrás de uma saída menos desonrosa. O problema do iraniano é que a fresta para a primeira hipótese anda estreita demais.
Como escrito aqui algumas vezes, a movimentação brasileira oferece ao Irã a possibilidade de uma capitulação não totalmente vexaminosa. De quebra, Ahmadinejad contaria ainda com a capacidade de Lula fazer o lobby da coisa mundo afora, o que não é pouco.
Sem contar o serviço que Lula teria prestado aos Estados Unidos, que receberiam de presente a renúncia de Teerã às armas nucleares, afastando a necessidade de sanções ou ações bélicas.
Onde está o problema? No relógio. No tic-tac. E numa regra universal. Não há ditadura que, uma vez derrotada e tendo exibido fraqueza, resista muito tempo mais.
Minas
O tempo passou e a sucessão presidencial está onde sempre esteve. Quem se articular melhor em Minas — e com Minas — terá boa vantagem competitiva.
Por falar em tic-tac, também ali a hora da verdade está cada vez mais próxima.


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