O Globo - 25/05/2010
O ativismo da atual política externa procura um espaço de influência para bem além do contexto sul-americano, exigindo um esforço adicional da diplomacia brasileira para identificar o que de fato seja interesse nacional.
A busca de protagonismo para projetar o Brasil como um agente político global, como disse o presidente Lula, tentando ajudar a resolver conflitos por meio da negociação, pressupõe igualmente uma capacidade de avaliação e de coleta de informações, que o serviço externo brasileiro está plenamente habilitado a desenvolver.
A intervenção do Brasil na crise entre os EUA e o Irã foi positiva na medida em que propunha a negociação diplomática para superar as dificuldades e desconfianças existentes.
A forma como se deu, entretanto, serviu para provar que temos um longo caminho de aprendizado ainda a percorrer, antes de empunhar, de forma madura e com credibilidade, a bandeira de salvadores da paz mundial Essa decisão coloca em causa o julgamento dos formuladores da política externa quanto à identificação do que deveria ser de fato nosso interesse e à capacidade de avaliação objetiva das informações coligidas pela eficiente rede do Itamaraty.
Sem entrar no mérito da discussão da crise em si mesma, e seja qual for seu desdobramento nas próximas semanas, ficou evidente a série de erros de avaliação por parte do governo brasileiro quando tomou a decisão de negociar o acordo com o Irã, que Teerã ameaça romper caso as sanções sejam aprovadas.
Superestimou-se a disposição da China e da Rússia, apesar dos seus interesses estratégicos e comerciais no Irã, de enfrentar os EUA para apoiar os esforços do Brasil. A percepção quanto ao estímulo indireto de Obama a Lula para negociar com o Irã e à determinação americana de levar adiante o projeto de resolução com sanções no Conselho de Segurança também foi mal dimensionada. Nossa diplomacia ignorou as pressões internas e externas sobre o governo Obama que forçaram o abandono das negociações com o Irã e a previsível reação de Washington contra a intromissão de novos atores em assuntos que, de forma monopolística, consideram de sua exclusiva responsabilidade.
O presidente Lula apropriadamente perguntou onde isso estava escrito, mas as duras palavras da Secretaria de Estado, no dia seguinte ao acordo de Teerã, sinalizaram onde estava o poder.
Por outro lado, não houve uma adequada avaliação dos prejuízos que o apoio ao Irã poderia trazer para o Brasil.
Ao tentar evitar as sanções e se inserir numa questão tão sensível e que envolve a própria segurança nacional dos Estados Unidos, atrás de ganhos incertos, o Brasil parece ter feito pouco caso das suas perdas. Foi minimizado o risco de que as relações com os EUA pudessem ficar afetadas pela iniciativa brasileira, prevalecendo a percepção do PT de que os EUA estão em decadência e que outros centros de poder estão emergindo e transformando o mundo em multipolar.
Mais grave foi o presidente Lula afirmar que sabia ser esse passo uma aposta grande e que não tinha nada a ganhar. Segundo se noticiou, um alto funcionário teria também declarado que os entendimentos com o Irã poderiam comprometer as intenções do Brasil em conquistar um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU e que poderiam ser explorados pela oposição como aventura ou fracasso.
Mesmo assim, valeria a pena.
À luz dessas declarações, não fica claro quais os critérios do atual governo para a identificação do interesse nacional. O ingresso do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança é uma das maiores prioridades da atual política externa.
Se nada tínhamos a ganhar por que ameaçar a chance de sentar de forma permanente no diretório que zela pela paz e pela segurança internacionais? Vale a pena despertar suspeitas até sobre a natureza de nosso programa nuclear, como já começa a acontecer? E árduo o caminho para assumir o papel de negociador para o encaminhamento de temas globais. O aprendizado, que pressupõe erros e acertos, dependerá sempre de avaliações objetivas, fundadas na clareza da definição de nossos interesses permanentes e não de prioridades partidárias dos governos da vez.
RUBENS BARBOSA foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos.


Nenhum comentário:
Postar um comentário