1 de junho de 2010

MAIS PROBLEMAS QUE SOLUÇÃO




JORNAL DO BRASIL

WILSON FIGUEREDO

Quem trouxe à baila, com senso de oportunidade, a questão relativa aos candidatos a vice, cuja escolha não pode mais ser adiada sob pena de trazer consequências imprevisíveis, foi o (pré) candidato José Serra, que em tom de desabafo reconheceu que o melhor companheiro de chapa, pelo menos no que lhe diz respeito, é aquele que aporrinhar menos. Foi na mosca. Os pretendentes formam um enxame e, quando chega a estação eleitoral, não há repelente que os disperse.

Vice dá trabalho. Antes, durante e depois de aprovado. Nem é por falha pessoal, mas pela própria distância entre a aparência e a impaciência que possa movê-lo tendo em vista apenas dois mandatos seguidos. A própria palavra vice, tal e qual, deve ter alvoroçado Roma no seu auge, ela define de modo restritivo a função de uma pessoa que substitui outra na expectativa da oportunidade. O sentido original, em latim, implica também a expectativa de vir a ser. Vice tem a ver com vez, oportunidade, alternativa, sucessão. Entra na composição de muitas expressões que fazem parte do dia a dia universal. Por natureza, vice com ampla variedade de aplicações frequenta vida militar, civil, política, eclesiástica. É inesgotável sua aplicação, e não falha no que depender da natureza humana (na maioria das vezes, o vice não dignifica a função).

Às exceções compete confirmar as regras: não existe vice do papa, que com isso se poupa de muitos aborrecimentos, assim na terra como no céu. Como José Serra acaba de dizer em bom português, o melhor vice é o que menos aporrinha, e não só na expectativa de ganhar a função ociosa. Em bom português, aporrinhar vem a ser o que chateia para ser escolhido e, daí por diante, se for premiado, sustenta uma incógnita. Titular e vice são unidos pela desconfiança recíproca.

Ninguém pode dizer que tenha ouvido falar de vice-ditador. Melhor não tê-lo do que se aborrecer e se arrepender por não contê-lo. Getulio Vargas, nos áureos tempos, dispensou os préstimos formais dos vices. Serra considera que o melhor vice vem a ser o menos insistente. Uma sombra como o senador Marco Maciel era em relação a Fernando Henrique, de quem foi vice para ninguém botar defeito, exatamente pelo dom de apagar-se diante do Sol. Talvez nem ele se lembre.

A evidência de que vice é mais problema do que solução é que esta já é a mais inutilmente prolongada campanha pré-eleitoral da República, e até agora não há ninguém garantido.

Mesmo porque vices não passam pelo crivo das pesquisas de opinião. São avaliados no olho e no currículo ético. Além do mais, há um cuidado sobrenatural no trato do assunto, porque a fama de azarado é incurável. Bem fez a monarquia que, mesmo sobrevivendo por amostragem, não recorre a votos para resolver questão de família.

No dia em que o espírito republicano, sem apelar para golpes de Estado (abaixo da cintura), enxotar da Constituição o vice, que é o apêndice da democracia, valerá por uma operação preventiva de apendicite. Nunca mais se registrarão os problemas correlatos. Um vice-presidente, para manter tudo no plano das ideias e no mais alto nível, não gera em língua portuguesa uma peça teatral com sotaque shakespeareano. Só um novo Nelson Rodrigues situaria nossos vices no seu devido nicho.

A diferença entre o governante eleito e o ditador, no caso do vice-presidente, resolve-se democraticamente com a supressão do vice. Ponto para ditador, que não quer uma Vice-Presidência para tirar-lhe o sono. As crises entram em cena por intermédio dos vices, que começam a aporrinhar muito antes de se elegerem, montados na garupa do candidato a presidente. Além do mais, a democracia acaba desqualificada pela dispensa de votos próprios, sem os quais o vice chega ao poder pela porta dos fundos. Quando tinham votos, nem por isso a democracia se sentiu em casa, na sua passagem por aqui entre 1946 e 1964, por ocasião da crise final do governo Vargas: o presidente e o seu vice (pelas razões que pedem desculpas por manterem silêncio em respeito ao presidente e sem desrespeito ao vice) mudaram o curso da História do Brasil. O resto não precisou esperar.

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