22 de setembro de 2009

ZELAYA VOLTA E SE REFUIGIA NA EMBAIXADA BRASILEIRA

Orlando Sierra/France Presse

Folha de S. Paulo - 22/09/2009

APÓS 85 DIAS, ZELAYA REGRESSA A HONDURAS

Presidente deposto consegue entrar clandestinamente no país e se refugia na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa

Governo golpista decreta toque de recolher e pede a Brasil que entregue político à Justiça para que ele possa ser submetido a processo

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Oitenta e cinco dias depois de ter sido preso e expulso de Honduras, o presidente deposto Manuel Zelaya voltou clandestinamente ontem a Tegucigalpa, onde se refugiou na embaixada brasileira. Com a notícia, alguns milhares de simpatizantes saíram às ruas da capital, onde entraram em confronto com a polícia. Mais tarde, o governo interino decretou toque de recolher e exortou o Brasil a entregar Zelaya às "autoridades competentes".
"Viajei durante 15 horas, superando muitos obstáculos porque havia bloqueios, muita perseguição. Graças ao presidente Lula, temos proteção na Embaixada do Brasil", disse Zelaya, que antes tentara por duas vezes, sem sucesso, regressar a Honduras, em entrevista ao canal espanhol da CNN.
Segundo a Folha apurou, a chegada de Zelaya ocorreu sem aviso prévio. Pela manhã, a sua mulher, Xiomara Castro, chegou à representação brasileira acompanhada de uma deputada. Ao único diplomata brasileiro em Honduras explicou que seu marido estava do lado de fora e queria se refugiar ali. A entrada do presidente deposto só foi autorizada após consulta ao Itamaraty.
Ao entrar no prédio da embaixada, Zelaya disse querer ficar sob a proteção do Brasil enquanto tenta criar um "diálogo nacional de reconciliação".
O presidente deposto preferiu ficar na embaixada em vez de ir à residência oficial. Ele foi alojado no escritório do embaixador, que conta com um banheiro privado.A chegada de Zelaya a Tegucigalpa foi noticiada primeiro pelo canal venezuelano Telesur, controlado pelo governo Hugo Chávez, o principal aliado do presidente deposto. A informação inicial de que ele estava na representação da ONU levou manifestantes e policiais ao local, provocando pequenos confrontos.
Minutos depois do anúncio, o próprio Chávez apareceu na Telesur conversando com Zelaya por telefone. Demonstrando conhecimento prévio dos planos do aliado, disse que ele viajou "durante dois dias por terra, cruzando montanhas, rios, arriscando a sua vida".
Informado de que Zelaya não se refugiara no escritório da ONU, Micheletti chegou a dizer, em entrevista, que o deposto não estava em Honduras, mas "tranquilo numa suíte de um hotel na Nicarágua [país onde vivia desde a deposição]".
Com a nova informação, logo confirmada, de que Zelaya estava na embaixada brasileira, o governo golpista decretou toque de recolher das 16h locais de ontem até as 7h de hoje com o objetivo de "conservar a calma" e ordenou o fechamento, a partir de hoje, dos quatro aeroportos internacionais do país.
Ao mesmo tempo, alguns milhares de simpatizantes se reuniram nas imediações da embaixada brasileira. Zelaya os saudou, pedindo "calma".
A embaixada brasileira está instalada numa acanhada casa residencial adaptada de dois pisos no bairro Colônia Palmira, onde também funciona o setor consular. Normalmente, conta com apenas dois diplomatas, mas atualmente não há embaixador, já que Brasília não reconhece o governo golpista.
Ao contrário da fortificada embaixada americana, a poucas quadras dali, a segurança da representação brasileira é bastante precária: dispõe apenas de um segurança particular.
Em declarações ao site em espanhol da BBC, Zelaya disse que quer "iniciar um processo de aproximação" e que estaria disposto a se reunir com Micheletti. Ele pediu às Forças Armadas que "apontem seu rifle contra os inimigos do povo, e não contra o povo".
No final da tarde, Micheletti fez um pronunciamento dizendo que a presença de Zelaya "não muda a nossa realidade" e exortou o Brasil a entregá-lo às "autoridades competentes" para que seja submetido "a um devido processo".
O governo interino, que tem o apoio de todos os Poderes, nega que tenha dado um golpe de Estado e acusa Zelaya de ter atuado ilegalmente ao tentar promover uma reforma constitucional para introduzir a reeleição presidencial. Ele foi deposto em 28 de junho, dia em que planejava fazer uma votação sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte.

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