11 de julho de 2009

O CUSTO DA DEMOCRACIA

DE MERVAL PEREIRA

O GLOBO 11/07/2009

Não há um consenso entre os que acompanham as atividades legislativas brasileiras sobre qual é a pior legislatura, se a atual ou a anterior. O ex-deputado Ulysses Guimarães tinha uma máxima para essa situação: “O Congresso atual é pior que o anterior e melhor do que o próximo”. A disputa vale tanto para os casos de irregularidades descobertas quanto para a produtividade das legislaturas. A anterior, que se encerrou em 2006, com os mensaleiros e sanguessugas, foi a que teve mais escândalos de corrupção. Praticamente um quinto daquela Câmara está sob investigação do Ministério Público Federal ou responde a processo criminal no Supremo Tribunal Federal (STF).
Nos seis primeiros meses deste ano, na legislatura que começou em 2007, surgiram inúmeros casos de irregularidades na Câmara e no Senado, revelando esquemas que vão de uso indevido de passagens aéreas a pagamentos de horas extras indevidas, nepotismo, e uma superestrutura burocrática que mandava e desmandava nas duas Casas, especialmente no Senado, onde estão concentrados os escândalos atualmente, envolvendo, sobretudo, seu presidente José Sarney.
Para Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a produção legislativa no ano passado teve quatro características: quantidade, baixa qualidade, aumento da autoria de parlamentares e pouca participação dos plenários das Casas em sua aprovação.
Se a produção foi boa — foram aprovadas 241 leis no Congresso, contra 178 em 2006 e 198 em 2007 — a qualidade deixou a desejar: segundo o Diap, mais da metade das leis aprovadas tratavam de “homenagens, de datas comemorativas, de remanejamento de recursos orçamentários, criação de cargos em comissão, entre outras matérias de pouca importância, em termos de política pública”.
A participação do Parlamento na produção legislativa aumentou, passando de históricos 20% para 35%, enquanto foi reduzida a edição de medidas provisórias pelo governo: em 2008 foram editadas 40 medidas provisórias, uma média mensal de 3,33; contra 70 em 2007, média de 5,83; e 67 em 2006, média de 5,58 por mês.
O fato é que não há como medir a qualidade de um Parlamento, como salienta o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, segundo quem “trata-se de algo muito difícil de mensurar”. Diante desse impasse, como enfrentar a questão dos altos custos da Câmara e do Senado? Para a ONG Transparência Brasil, o contribuinte brasileiro paga mais para manter um mandato de senador ou deputado do que o contribuinte dos EUA, o país mais rico do mundo. Já um trabalho da Câmara dos Deputados afirma que seus gastos são menores do que o de diversos países do mundo.
A diferença é que a Câmara faz a comparação entre os países considerando o custo por habitante, enquanto a Transparência Brasil considera que para determinar quanto, de fato, os parlamentares pesam no bolso do cidadão é necessário considerar as diferenças de renda.“
O modo mais claro de fazer isso é considerar a renda per capita de cada país e determinar quanto o custo significa em termos dessa renda per capita”, afirma Claudio Weber Abramo, presidente da ONG, para quem no Brasil o custo de um deputado corresponde a 82 vezes a renda per capita, ao passo que no Chile corresponde a 29 vezes.
Já um senador brasileiro custaria, em termos reais, mais de três vezes o que custa um senador chileno para o contribuinte daquele país, e cerca de 8,4 vezes o que pesa um senador francês no bolso do cidadão ao qual serve.
Pelas contas da Câmara, os gastos por deputado por habitante mostram que o Brasil gasta quase 4 vezes menos que os Estados Unidos, metade que a Inglaterra e 10% do Chile.
Os subsídios por parlamentares seriam iguais aos dos Estados Unidos e dez vezes menores que os do Chile, na comparação de gasto por habitante. Os gastos totais seriam, por essa mesma metodologia, metade que os dos parlamentos dos Estados Unidos, França e Inglaterra e cinco vezes menor que o do Chile.
O trabalho da Câmara destaca que há uma diferença importante na maneira de trabalhar de cada parlamento, que se reflete nos seus custos. Seria o que o cientista político Nelson Polsby chamou de parlamentos transformativos e parlamentos-arena.
Os primeiros são os que desempenham papel relevante na elaboração da lei, e têm, por exemplo, as comissões como parte relevante de sua estrutura. O modelo que Polsby tomava era o do Congresso norte-americano.
Já o parlamento-arena é, sobretudo, um fórum de debates, com reduzido papel na própria elaboração legislativa, praticamente não existindo comissões. Por isso, a infra-estrutura para o trabalho parlamentar pode ser pequena.
Hoje, embora o quadro britânico não seja mais o mesmo, o estudo destaca que o papel do parlamento é consideravelmente menor do que, por exemplo, o do Congresso norte-americano.
Nas comparações entre o nosso Legislativo e os demais, o nosso modelo seria bem mais próximo ao norteamericano, com suas funções transformativas, do que aos de outros países.
O cientista político Octavio Amorim Neto acha que “se há um custo que vale a pena pagar, é o custo do Congresso. Afinal, trata-se da instituição sem a qual não há democracia”.
Ele considera que, “no tocante às necessidades dos nossos deputados e senadores, o texto produzido pela Primeira Secretaria da Câmara está certo ao afirmar que nosso modelo de ação e organização legislativas está mais próximo do estadunidense do que o britânico, justificando, portanto, maiores subsídios parlamentares”.(Continua amanhã)

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