10 de julho de 2009

CARTA DE EMBAIXADOR DA VENEZUELA CAUSA POLÊMICA NO SENADO

Por SÉRGIO LEO

VALOR ECONÔMIO 10/07/2009




Mesmo ausente, o embaixador da Venezuela no Brasil, Julio Garcia Montoya, foi o principal personagem da audiência convocada ontem na Comissão de Defesa e Relações Exteriores do Senado para discutir o ingresso do país no Mercosul. Convidado, Montoya avisou por fax que não iria, numa carta com termos duros em que acusa os senadores de levantarem dúvidas "de caráter ideológico e até pessoal" em relação à Venezuela e diz que não interessa ao Estado brasileiro o "jogo de interesses" na discussão do tema.
A carta escandalizou até defensores da entrada da Venezuela no bloco. Mas, numa demonstração de interesse no Senado em evitar a radicalização do debate, os senadores, por uma margem estreita (cinco a quatro), rejeitaram a proposta do senador Fernando Collor (PTB-AL) de aprovar um "voto de censura" ao embaixador. Optaram por algo mais delicada, de devolver a carta à embaixada, em sinal de protesto. A alternativa foi sugerida por um líder oposicionista, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), que até gracejou com o fato.
"Após sete anos, me vejo reconhecido como um homem de esquerda; meus camaradas votaram comigo", ironizou. O embaixador foi acusado de "pouco inteligente", inábil e descortês, e sua carta, de "nem diplomática, nem civilizada". Na sessão da tarde, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), um dos autores dor requerimento, disse concordar com a devolução da carta por achar que a censura seria "talvez uma demasia".
Centrada na polêmica provocada pela carta do embaixador e em acusações de desrespeito á democracia por parte do governo de Hugo Chávez, a discussão, dividida em duas sessões, trouxe, porém, uma novidade, esperada pelo setor privado: já estão em análise no ministério do Desenvolvimento as listas com produtos "sensíveis", para os quais a Venezuela quer retardar a eliminação de tarifas no comércio com o Mercosul, segundo informou o secretário-geral do ministério de Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães.
Segundo um diplomata, somam 880 os tipos de mercadorias para os quais a Venezuela quer liberalizar o comércio só em 2018; e há mais cerca de 400 que os venezuelanos gostariam de manter como "exceção", com as tarifas de importação atuais. Essas exceções estão, principalmente, em setores onde Chávez quer criar indústrias nacionais, como alimentos, siderurgia e componentes eletrônicos. As listas são, ainda, objeto de negociação entre os governos.
Um dos principais argumentos econômicos contra a incorporação, levantados por especialistas como o ex-ministro de Relações Exteriores, Luis Felipe Lampreia, é a demora dos venezuelanos em assumir os compromissos cobrados de outros sócios do Mercosul. "Um país não pode entrar pela janela, tem de aceitar as regras", reclamou Collor, mencionando que os venezuelanos questionam pouco mais de 160 das 783 normas do Mercosul. "Não é um rechaço ao ingresso da Venezuela, é a oportunidade do ingresso", argumentou Collor.
Pinheiro Guimarães lembrou que o Brasil mantém superávits recordes com a Venezuela, da ordem de US$ 5 bilhões, apesar das barreiras ao comércio e das dificuldades de algumas empresas para operar com o sistema de câmbio centralizado venezuelano, muito criticado durante a audiência. Tanto Pinheiro Guimarães quanto o presidente da Federação de Câmaras de Comércio da América Latina, Darc Costa, ex-vice-presidente do BNDES, insistiram na necessidade de formalizar a entrada da Venezuela no Mercosul como forma de fazer frente à "invasão" da China no mercado regional.
O estilo centralizador e personalista de Chávez, e seu desprezo pelas normas liberais e de mercado foram os argumentos mais citados pelos parlamentares contrários ao ingresso da Venezuela no Mercosul, em curto prazo. Na carta do embaixador, Montoya argumentava que o ingresso da Venezuela seria uma "razão de Estado de caráter supra-ideológico", e diz que sua presença no Senado não faria diferença por acreditar que as dúvidas não teriam razão econômica ou técnica. Em defesa da Venezuela, o deputado federal e ex-governador de Roraima Neudo Campos, após falar da importância econômica do país para os estados da região Norte, chegou a argumentar que não se poderia cobrar, no Mercosul, um padrão "europeu" de democracia.

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