28 de abril de 2010

A FABRICAÇÃO DA IMAGEM

Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo

O Estado de S. Paulo - 28/04/2010





O governo gastou em publicidade R$ 196,8 milhões até março, 81,6% mais do que no primeiro trimestre do ano passado. Está mais empenhado, portanto, em manter a opinião pública informada e esclarecida, como compete a qualquer governo democrático. Essa é, pelo menos, a explicação normalmente usada como justificativa para os gastos governamentais com anúncios e com a promoção da imagem dos governantes.


A verba publicitária orçada para este ano, R$ 700,4 milhões, é 41,4% maior que a de 2009. O maior esforço de comunicação em ano eleitoral talvez seja coincidência sem grande significado. Foi assim, também, na última eleição, em 2006. Naquele ano, a publicidade total do governo, incluídas a administração direta e a indireta, chegou a R$ 1,27 bilhão em valores corrigidos pelo IGPM. Coincidências parecem ter datas marcadas para ocorrer.

A despesa com propaganda em 2006 foi a maior desse tipo entre os anos 2000 e 2009, segundo tabela publicada pela organização Contas Abertas. Nesse período, a média anual, em valores constantes, ficou em R$ 1,1 bilhão.

Em 2006, o candidato oficial era um presidente bem avaliado na primeira gestão. Tinha a seu favor a inflação contida, uma considerável transferência de renda para as famílias pobres e algum dinamismo econômico.

Considerando sua popularidade, seus auxiliares não devem ter pensado em falsificar foto de passeata nem cogitado alardear um mestrado e um doutorado jamais concluídos - no seu caso, nem mesmo tentados. Além do mais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre fez de sua escassa escolaridade um ativo eleitoral.

Para avaliar os gastos oficiais com publicidade, convém compará-los com outros itens do orçamento. No primeiro trimestre deste ano, o governo gastou em saneamento, com recursos do Tesouro, R$ 69,6 bilhões, pouco mais de um terço - 35,4% - do valor desembolsado com publicidade.

Em 2009, os desembolsos com a função saneamento chegaram a R$ 842,7 milhões, enquanto os gastos orçamentários com publicidade totalizaram R$ 495,1 milhões. As despesas contabilizadas na rubrica saneamento foram 70,2% maiores que os desembolsos com propaganda. Mas será essa diferença proporcional à importância social de cada uma dessas atividades?

Uma dessas tarefas é uma atividade-fim. Corresponde a uma das obrigações do governo. Nesse caso, trata-se de uma função essencial ao bem-estar da maior parte da população. Os mais carentes desse benefício são os mais pobres, sempre lembrados na retórica do presidente Lula. A outra é uma atividade-meio. Pode ser útil à sociedade, em certas circunstâncias, mas em geral é muito mais importante para os políticos instalados na administração pública.

De acordo com a retórica habitual, a propaganda é feita em benefício do povo, como prestação de contas da atividade oficial ou como orientação útil às pessoas. Portanto, é parte do ritual democrático: o cidadão distinguido com um mandato deve relatar suas atividades, mostrar realizações e esclarecer o uso de recursos públicos. Há até regras para esse tipo de comunicação. Uma delas proíbe mensagens com citação de autoridades e de partidos.

São regras normalmente inúteis, quando o governante se dispõe a converter a prestação de contas ou mesmo a orientação prática em promoção de sua figura e de seu partido. No Brasil, esse jogo é facilitado para o governo pela diversidade dos canais de propaganda oficial. O Ministério da Saúde pode concentrar sua publicidade em mensagens de orientação, geralmente úteis à maior parte das pessoas. Elas precisam, de fato, de instruções sobre como se proteger, por exemplo, durante uma epidemia de gripe suína. Da mesma forma, convém lembrá-las, de vez em quando, da importância do sexo seguro. O Ministério da Fazenda presta um serviço indispensável com lembretes menos divertidos sobre o Imposto de Renda.

Mas a maioria dos cidadãos, com certeza, não leva nenhuma vantagem quando é bombardeada com anúncios triunfais sobre o pré-sal, sobre as operações do BNDES e sobre as maravilhas imaginárias do programa federal de investimentos. Ninguém compra petróleo diretamente da Petrobrás e só empresários buscam financiamentos para máquinas e equipamentos industriais.

Mas a função principal dos anúncios dessas empresas não é vender produtos nem serviços. É fortalecer a imagem do governo. Em 2009, a despesa total com anúncios foi de R$ 1,18 bilhão, somados os gastos da administração direta, das autarquias e de estatais sem concorrentes no mercado nacional. Não é difícil saber a quem serve, de fato, essa rica propaganda.


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