6 de agosto de 2009

AÇÃO NA TRIBUNA NÃO AFASTA CRISE

POR DENISE ROTHEMBURG

CORREIO BRASILIENSE - O6/O8/2209


Foram 48 minutos na tribuna do Senado para cumprir a obrigação protocolar de se defender e avisar que não tem outra saída “senão resistir”. O discurso em que o presidente da Casa, José Sarney, avisou a todos que “nenhum senador é maior que o outro e, por isso, não pode exigir (dele) que cumpra sua vontade política de renunciar” serviu de combustível para que o PMDB liderasse o arquivamento das representações ontem no Conselho de Ética da Casa, mas não debelou a crise. A oposição ameaça paralisar os trabalhos de plenário e a maioria de senadores do PT continua incomodada, desconfortável com o fato de se ver obrigada a defender Sarney sem que haja uma investigação que sirva, ao menos, para dar uma satisfação aos chamados eleitores de opinião.
Ontem, pela primeira vez, o presidente petista, Ricardo Berzoini, falou da necessidade de investigação: “O PT acha que não se deve ter nenhum ímpeto para agir de maneira açodada. É fazer o que foi feito no plenário, onde o presidente Sarney discursou e se saiu muito bem”, afirmou Berzoini ao Correio. A intenção é investigar e, ao mesmo tempo, manter Sarney na presidência, já que um afastamento dele do cargo teria que ser decidido pelo Conselho de Ética. “A bancada petista defendeu lá atrás uma licença temporária, que foi recusada. O PT não defende uma renúncia e nem um afastamento imposto”, completou Berzoini.
A ideia dos petistas é usar a investigação dentro do conselho, onde o governo tem maioria, para esclarecer as dúvidas e incongruências que a oposição levantou assim que Sarney terminou seu pronunciamento (veja reportagem na página 3).

Acordo
Na hora em que Sarney falou, ninguém ousou interromper o senador de 79 anos, num acordo previamente acertado com os partidos. Ele começou dizendo que estava ali para “rebater as inverdades disseminadas” contra ele e se apresentou como homem do diálogo e do convívio pacífico, mas isso não o fez abandonar a firmeza. “Minha vida pública nunca foi fácil, nem sem perigos. Sofri três atentados e houve tempo aqui em que minha vida era ameaçada pelo senador Vitorino Freire”, afirmou Sarney, antes de discorrer sobre os feitos de 55 anos de vida pública para, em seguida, falar de cada uma das 11 acusações feitas ao longo dos últimos meses que renderam representações ao Conselho de Ética.
No quesito atos secretos, citou um ofício em que o senador Demostenes Torres (DEM-GO) solicita para o seu gabinete a nomeação de Marcelo Zoghbi, filho do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi. Demostenes declarou que desconhecia o funcionário e a nomeação. Mostrou, num telão instalado especialmente para o discurso, a distribuição dos atos por presidente da Casa nos últimos tempos, o que colocou os ex-presidentes Renan Calheiros (PMDB-AL) e Garibaldi Alves (PMDB-RN) na posição de campeões de boletins não publicados. Voltou a falar ainda do caso do neto e do namorado da neta, nomeado para um cargo em comissão: “É claro que não existe pedido de uma neta que deixemos de atender se pudermos ajudar legalmente”, disse, ao discorrer que não cometeu crime.
Depois de citar as acusações contra ele e se defender, Sarney aproveitou as palavras da neurocientista Ana Carolina — “obedecer a consciência é honrar a vida” — para avisar que irá “aguentar, persistir, resisir”. E comunicou: “Minha força não é o desejo de poder, mas a certeza de que não fiz nada errado e a certeza de que os senadores são justos e a convivência faz conhecer as pessoas”.
A mensagem deixou em todos a certeza de que Sarney continuará na luta de bastidores. Assim que terminou de falar, recebeu um telefonema da mulher, Marly. Mais tarde, falou com o presidente Lula. Sarney está certo de que a crise saiu do ringue e entrou no campo da negociação democrática, onde a maioria conta. Falta combinar com os demais senadores. Mas, se alguém pensava que ele iria desistir da luta, ontem essa dúvida acabou: ele vai lutar até quando sua consciência assim pedir.
A Bolívia é aqui
Um dos motivos que leva o PT a querer pelo menos uma investigação é o fato de que todo o mundo político e jurídico se refere à crise do Senado. Ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, comparou o Senado à Bolívia: “Talvez a gente encontre meios e modos de tratar institucionalmente isso (a crise). Que não mais se repita, porque na verdade estamos vivendo uma crise sequencial. Já há algum tempo o Senado não encontra meios e modos de um funcionamento regular. Praticamente, está parecendo a Bolívia. Os presidentes não terminam o mandato ou ficam ameaçados de perdê-lo”.

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